Vou escrever aqui algo que há muito queria escrever... Porque o tempo pode amenizar a dor, mas não ameniza as saudades crescentes que vamos sentindo com o passar desse mesmo tempo.
O meu avô era vidreiro. Profissão dura, que exigia muito dele. Recentemente, após anos da casa dele estar fechada e após decisão de a vender, fomos buscar as coisas que lá permaneciam há 14 anos. Lá estavam guardadas uma medalha de mérito por bom desempenho, a medalha de ouro dos 25 anos de bom serviço à companhia. Os medicamentos intactos, as coisas que reconheço de tantos dias passados naquela casa.
O meu avô era uma pessoa especial. Nos 12 anos que a vida me proporcionou a sua companhia nunca o vi realmente zangado. Recordo quando nos deixava fazer festas nos coelhinhos recém-nascidos, soltava os pintainhos para andármos a correr atrás deles, deixava que brincássemos na horta que mantinha cuidadosamente, especialmente a erva cidreira, o chá preferido e que fazia sempre. As vésperas de Natal eram passadas num anexo da casa da minha tia, onde a minha avó preparava as filhóses de abóbora. Ainda hoje consigo sentir o cheiro e o gosto. Nenhumas serão alguma vez iguais. Enquanto a avó preparava a ceia, ele deixava-nos ir espreitar a massa que levedava por baixo dos cobertores, sem a avó saber. Não sabia ler nem escrever, então fazia bonecos para nos manter entretidas. Um dia eu disse que o ia ensinar a ler mas a vida não me deu esse privilégio.
Os meus pais trabalhavam e saiam muito cedo. Então logo de madrugada, lá iamos de uma casa para a outra embrulhadas nos nossos cobertores, cada uma ao colo de um deles. O meu cobertor azul, o cobertor do xadrez da minha irmã.
O meu avô partiu de maneira inesperada e cedo demais. No entanto, deixou-me das coisas mais importantes que tenho: uma infância feliz e saudável, valores e ideais de vida que tento seguir e a vontade de fazer tudo como ele gostaria que fizesse, para que se orgulhasse de mim.
Onde quer que esteja, sei que está com aquele sorriso que tinha sempre, que todos à sua volta gostam dele e o admiram, a ajudar todos os que precisam sem pedir nada em troca, que tem a avó ao seu lado a fazer-lhe companhia e a ralhar por ser demasiado boa pessoa, mas continuando a sê-lo, sempre... Pelo menos é assim que ele vive no meu coração.
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