sexta-feira, 23 de outubro de 2009

No final do meu 9º ano muitos de nós fizeram um caderno de dedicatórias. Guardo-o com bastante carinho porque tem mensagens que gosto de reler em determinadas alturas da minha vida. O C. escreveu "Espero ver-te um dia num hospital a tratar de mim". O C. tinha sempre muitas dores no braço mas os médicos há 12 anos atrás não conseguiam descobrir o que era. O C. tinha cancro. Mas quando se descobriu era demasiado tarde e estava metastizado. Fez muitos tratamentos. Ficou sem o braço esquerdo. Lembro-me bem da última vez que o vi. O C. morreu com 17 anos (era um ano mais velho do que eu) e foi o único funeral a que fui até aos dias de hoje. O C. foi uma lição de vida para todos aqueles que o conheciam. Fizeram-se graffitis em sua homenagem. Um miúdo cheio de vida, com uma dose de rebeldia, mas de bom coração. Ninguém merece morrer com 17 anos.
Foi a única experiência próxima de cancro que tive, mas que desde logo me deixou com outra sensibilidade e interesse pela área da oncologia. Depois, a minha irmã optou por uma profissão que se dedica exclusivamente a tratar doentes oncológicos (como já disse aqui no blog). Todos os dias me conta histórias dessas pessoas. A revolta, a alegria da vitória, a falta de apoio, o carinho que sentem pelos técnicos que as acompanham todos os dias, o reconhecimento e agradecimento, muitas vezes a cura, outras tantas a morte.
Onde é que eu quero chegar depois de depositar histórias tão íntimas como a do C.? Quando alguém de uma associação relacionada com cancro me aborda eu dou sempre alguma coisa. Felizmente posso ajudar. Se posso dar-me a alguns luxos como comprar sapatos de que gosto e ir a restaurantes caros, também me parece que possa contribuir para causas que me tocam. Ontem fez-me confusão quando, indo acompanhada de mais farmacêuticas, nos abordaram e eu fiz questão de contribuir. As colegas não só não deram um euro que fosse como ainda criticaram a atitude das pessoas que nos abordaram. Eu reservei-me ao silêncio. Não tinha nada a dizer. A instituição tinha como fim ajudar mulheres que tiveram que passar por mastectomias e precisam de próteses. Sei por fonte segura que as mastectomias muitas vezes ficam com aspectos terríveis. As pessoas que passam por estas situações e que depois formam associações não são nenhumas coitadinhas, estão apenas a tentar ajudar outras pessoas que estão a passar pela mesma situação. Não é por dar 5 € de vez em quando que fico mais pobre, muito pelo contrário, fico bastante mais rica porque sei que estou a ajudar a tornar a vida de alguém que sofre um pouco menos penosa.

1 comentário:

miúda gira disse...

Concordo contigo.É de louvar a tua atitude, nunca percas a sensibilidade porque é o que nos torna humanos...