Durante muito tempo pensei que tinha escolhido o curso de saúde mais distante dos doentes a nível emocional. Mas quando comecei a trabalhar percebi que estava bastante enganada. Uma boa parte dos utentes da farmácia, passado um tempo, passam a ser como da nossa família. Sabemos qual é a medicação que fazem, que problemas têm. Até podem não saber qual o nome da marca do genérico que usam porque sabemos perfeitamente que é o da caixinha azul com comprimidos vermelhos. Caí no mundo real e percebi que estamos imensamente envolvidos com os "nossos doentes", temos uma relação muito próxima com uma boa parte deles.
Nos dias de hoje as farmácias, pelo menos as de bairro, funcionam ainda como uma espécie de confessionário. O farmacêutico é o ouvinte de todas as horas, qual Teresa Guilherme no Big Brother...
O olho roxo que não foi o marido mas sim o estendal: "bati lá quando ia apanhar as peúgas, estava a começar a chover!". O recibo do sildenafil que não vai com nome porque a esposa pode apanhar: "Querida, isto é para o Zé Luís, ele pediu-me para comprar para a Rosinha não desconfiar, doido o Zé Luís". A adolescente que vai comprar o teste de gravidez "Isto é para um trabalho da escola sobre contracepção". A senhora que mede a tensão todos os dias e todos os dias está alta, mas que nunca se esquece dos medicamentos e de não comer sal "Ai Sôtora, mas eu já não como com sal nenhum... Já viu isto, Sôtora?". O senhor que quer a pomadinha com corticosteróides para ter em casa, para pôr numa ou outra borbulha "Ai não se deve pôr assim, nas borbulhas?! Mas passam-me logo!".
Todas estas histórias são invenção. Não são necessariamente baseadas em pessoas reais. São coisas que acontecem todos os dias, em todos os lugares, a todas as horas...
Sem comentários:
Enviar um comentário